quinta-feira, 20 de junho de 2013

Genocídio das Juventudes e Redução da Maioridade Penal

MENSAGEM EPISCOPAL SOBRE A QUESTÃO DO GENOCÍDIO DAS JUVENTUDES E REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
(A partir do sermão pronunciado por Dom Humberto Maiztegui Gonçalves, na Catedral da Santíssima Trindade em Porto Alegre, no dia 09 de Junho de 2013)

E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores.  E, chegando-se, tocou o esquife (e os que o levavam pararam), e disse: Jovem, a ti te digo: Levanta-te. E o defunto assentou-se, e começou a falar. (Lucas 7:13-14)

A ressurreição do filho da viúva de Naim chama a atenção por ser um milagre espontâneo de Jesus, diferente ao que é narrado em relação a outras “ressurreições”, como a de Lazaro que é ressuscitado a partir da intercessão das irmãs (Marta e Maria), ou da Jovem (Talita) que é ressuscitada a partir da intercessão do pai Jairo (chefe da sinagoga). Jesus resolve intervir dizendo para a viúva “não chores” e dizendo ao seu filho “Jovem eu te ordeno: Levanta-te!”. O milagre deve ser entendido dentro dos sinais das viúvas presentes no Evangelho segundo Lucas. Jesus, após anunciar seu ministério libertador da Sinagoga de Nazaré, cita o episódio de Elias com a viúva de Serepta, dizendo aos homens religiosos que o ouviam: “Em verdade vos digo que muitas viúvas existiam em Israel nos dias de Elias, quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte que em toda a terra houve grande fome; e a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom, a uma mulher viúva” (Lucas 4:25-26).
Mais adiante, Lucas resgata o exemplo da oferta da viúva pobre, dizendo: “E disse: Em verdade vos digo quem ofertou mais do que todos, esta pobre viúva; porque todos aqueles deitaram para as ofertas de Deus do que lhes sobrava; mas esta, da sua pobreza, entregou todo o sustento que tinha” (Lucas 21:3-4).
Viúvas e órfãos são, em termos bíblicos, o equivalente a dizer “gente excluída”, “miserável”, “sem direitos”, ou “as pobres das pobres”. Em um mundo patriarcal o único caminho de acesso a algum direito era através dos homens. Assim as mulheres viúvas, tendo seus filhos menores ou mortos, nada poderiam reivindicar a não ser alguma esmola. Este sistema fazia com que, de certa forma, sua dignidade humana morresse junto com seus esposos e filhos.
Estamos no ano Internacional da Juventude. Então também nos perguntamos: a quem Jesus disse “Levanta-te!”. Uma estatística recente diz que há um genocídio contra as pessoas jovens. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informa que:
O Brasil figura entre os países mais violentos do mundo, realidade essa que é expressa pelas altas taxas de homicídio. No entanto, se o número de mortes resultantes de homicídios entre o total da população permaneceu estável nos últimos 20 anos, entre os jovens de 15 a 24 anos, nesse mesmo período as taxas saltaram de 30,0 para 54,5 para cada 100.000 habitantes. Esse dado revela que o aumento da violência letal no Brasil está, na verdade, relacionado ao crescimento da vitimização dos jovens.
A violência é ainda maior contra a juventude afrodescendente ou negra:
No Mapa da violência de 2012, em uma edição especial que separou os homicídios cometidos entre os anos de 2002 e 2010 considerando a cor da pele, os dados revelam que, apesar de o número de homicídios brancos terem reduzido de 18.867 para 14.047, representando queda de 25,5%, o número de homicídios negros subiu de 26.952 para 34.983.
Cresce no país a ideia de que a culpa do genocídio das juventudes do Brasil é, pelos menos em parte, devido ao Estatuto da Criança e do Adolescente que não permite que sejam julgadas e presas, como adultos e com adultos, aquelas pessoas com menos de 18 anos. Bem, e se baixarmos a maioridade penal para 16 anos? Quando algum jovem com 15 anos, 11 meses e 29 dias matar outra pessoa totalmente inocente o que faremos? Não vemos que por trás disso tudo está uma sociedade corrupta, violenta e omissa diante da falta de oportunidades para as filhas e filhos, principalmente educativas, que gera morte e dor? Não vemos uma denúncia contra isto, é uma alternativa, na atitude de Jesus ao acolher pessoas excluídas?
E essa gente jovem que irá para a prisão? Terá alguma oportunidade que hoje não tem? Esta medida sinalizará algo de bom para que outras pessoas jovens não caiam na vida de crime ou sejam menos vítimas da violência e da morte? Ou apenas aliviaremos alguns desejos de punição (ou vingança) colocando mais pessoas jovens nessas sucursais do inferno que, neste país, recebem o nome de penitenciárias (verdadeiras universidades da desumanização e da violência)? O quadro que se desenha a partir disso é de mais viúvas chorando a morte de seus filhos e filhas. 
Se não podemos fazer nada, diante da escalada da violência, especialmente contra as juventudes, então em qual Deus acreditamos? Acreditamos num deus sem poder de transformar nossa realidade, que nos abandonou a nossa própria sorte? O que nos mostra a narrativa da ressurreição do filho da viúva de Naim é que, mesmo diante da morte, podemos fazer alguma coisa! Não apenas por nossa causa, ou pela nossa capacidade, mas por causa de Cristo, que está entre nós quando nos reunimos como hoje em Seu Nome, ou em nome dos valores que ele mostrou e anunciou. Estes valores, este inconformismo diante da morte das pessoas mais jovens e da violência e corrupção, devem ser refletidos em nossas Escolas Dominicais, Grupos de Jovens, Grupos de Estudo Bíblico. Não podemos ter medo de tocar nas questões que hoje causam morte e promovem o engano público.
Quando marchamos pelas ruas, como fazem familiares e vítimas das 242 pessoas jovens mortas na Boate Kiss, pedindo paz e justiça e contra a impunidade. Quando gritamos diante das pessoas que tem poder de evitar o minimizar esta violência. Mostrando quanto mal causa sua omissão ou sua corrupção. Quando vamos para o poder judiciário, executivo e legislativo para pedir compromisso e responsabilidade das pessoas que nos elegemos e/ou sustentamos através de nossos impostos. Em todos estes momentos vivemos a compaixão com quem chora a morte e tocamos em corpos jovens dados por mortos e os chamamos para a vida. 
Quando exigimos mais investimentos em educação desde os níveis mais básicos até o nível técnico e superior. Quando queremos que se invista em educação de qualidade, como fizeram e estão fazendo países bem próximos de nós com economias muito menos volumosas. Quando acreditamos que os investimentos prioritários devem aqueles que realmente promovam a paz e qualidade de vida e não apenas lucros e mais lucros. Em todos estes momentos vivemos a compaixão com quem chora e tocamos em corpos jovens dados por mortos e os chamamos para vida.
Quando nos organizamos nos bairros para que existam espaços adequados de esporte e lazer com a devida orientação e estímulo, principalmente para as pessoas mais jovens. Quando lutamos pelo resgate de praças, parques, da cultura acessível, da arte, do turismo para todas as pessoas, de oportunidade de moradia digna e acesso à saúde preventiva e curativa. Em todos estes momentos e ações mostramos compaixão com as pessoas que choram a morte dos seus filhos e filhas e, com Jesus, dizemos: Jovem, eu te ordeno: Levanta-te!
Deus não está indiferente aos sofrimentos das viúvas, mães e esposas de vítimas de todas a violências, e das viúvas mães e esposas, dos jovens criminosos ou suspeitos mortos todos os dias. Deus, em Cristo, não é omisso diante da morte de mulheres esposas e mães, e de seus filhos e filhas, aterrorizadas por homens apoiados na cultura violenta e machista. Deus nos chama para dizer a estas mulheres: não chores!. Deus nos chama para dizer a estas pessoas jovens: Levantem-se!
Tocar os mortos, na época de Jesus era algo impuro e, especialmente para os sacerdotes, algo terminantemente proibido (cf. Nm 19:11.16). Nós também temos barreiras religiosas, sociais, econômicas e culturais a superar ao tentar tocar nesta realidade. Temos uma cultura e uma teologia que entende a Igreja como um santuário onde buscamos a imunidade e não a responsabilidade. Seremos capazes de superar as nossas próprias barreiras que nos afastam de sermos sinais de vida nesta sociedade que mata os jovens e faz chorar as viúvas? 
Certamente temos que aprimorar o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas para isso teremos que tocar na realidade nua e crua que produz a morte destas pessoas jovens. Sabemos que há pessoas jovens que não tem condições de conviver de forma sadia e construtiva com o resto da sociedade. É claro que apenas depositá-las em lugares que não oferecem atendimento diferenciado, ou simplesmente soltá-las sem nenhum apoio em um período de até três anos, não parece ser uma alternativa satisfatória. Também o fato de simplesmente esquecer seus antecedentes infracionais ou criminais, não tem se mostrado eficiente. 
Há exemplos de outros países que tem lidado melhor do que o Brasil com a criminalidade infantojuvenil e, especialmente, com as pessoas adultas que a promovem, que se beneficiam ou simplesmente que se omitem na sua responsabilidade de orientar e cuidar de pessoas menores de idade. No entanto, em todas as alternativas que tem algo de sucesso na redução da violência há um denominador comum: educação qualificada!  
Precisamos fazer um grande debate público sobre este tema, queremos como Igrejas Cristãs, participar comprometidamente do mesmo. O que não aceitamos é o uso da dor dos que sofrem para nos enganar e nos impedir de chegar ao verdadeiro caminho que cruza a procissão fúnebre destas juventudes. Queremos um diálogo aberto e verdadeiramente comprometido, onde poderemos finalmente olhar para as viúvas nos olhos e dizer: não chores. Olhar para as pessoas jovens vítimas deste genocídio e dizer: Levantem-se! Precisamos ouvir a vossa voz! 
Em nome de Cristo, que devolveu a vida ao filho da viúva, que devolveu a esperança para a mãe do filho, que sinalizou a vitória do amor e da vida para todos e todas nós. Amém. 
Dom Humberto Maiztegui Gonçalves
Bispo Diocesano da Diocese Meridional da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

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